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A cidade de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, não foi escolhida à toa para receber o presidente argentino libertário Javier Milei e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na edição deste ano da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) de 2024, neste fim de semana. Santa Catarina é hoje um dos estados mais bolsonaristas do país, onde o ex-presidente foi escolhido por quase 70% do eleitorado de cerca de 5 milhões de pessoas. Analistas, parlamentares e residentes ouvidos pela reportagem explicam que a preferência pela direita no estado é antiga e se explica por características como empreendedorismo, liberalismo e origens culturais da população.
“Santa Catarina é um estado onde a iniciativa de ter seu próprio negócio, sua própria empresa já vem de casa, do seu histórico familiar. Consequentemente a cultura de não depender e nem esperar que o Estado faça algo já está no sangue”, disse o empresário catarinense do ramo dos transportes, Emílio Dalçoquio. Apoiador declarado de Bolsonaro, Dalçoquio explica que muitos dos valores do liberalismo da população foram transmitidos por seus antepassados, imigrantes alemães, italianos e poloneses.
O liberalismo político e conservadorismo de costumes se encaixou com o perfil de Bolsonaro, que recebeu neste ano o título de cidadão catarinense, aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc). Dos 40 deputados estaduais da Casa, 12 são do Partido Liberal – a maior bancada da Assembleia.
Além disso, o estado foi escolhido pelo ex-presidente como porta de entrada para a vida política de Jair Renan, o filho caçula da família. Em 27 de março, o “filho 04” da família Bolsonaro se filiou ao Partido Liberal e lançou sua pré-candidatura a vereador de Balneário Camboriú, cidade que vive uma explosão imobiliária e de negócios que que hoje uma espécie de Meca para os apoiadores de Jair Bolsonaro. Dos 19 vereadores da Câmara Municipal, o PL tem cinco.
A escolha dos eleitores de Santa Catarina pela direita se revela nos números eleitorais do último pleito. Em 2022, Bolsonaro teve 69,27% dos votos (3.047.630 votos). Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve 30,73% (1.351.918 votos). A expressiva votação também se estendeu ao atual governador Jorginho Mello (PL), que foi o governador eleito com a maior porcentagem do Brasil. Apoiado por Bolsonaro, ele teve 70,69% dos votos válidos (2.983.949 votos) contra 29,31% (1.237.016 votos) de Décio Lima (PT).
Em Florianópolis, capital do estado, Bolsonaro obteve 53,33% (169.495 votos) e Lula 46,67% (148.344 votos). Quando olhamos a disputa em Balneário Camboriú, a vantagem de Bolsonaro sobre Lula foi consideravelmente maior: o candidato do PL recebeu 74,57% dos votos (61.035 votos), enquanto o petista teve 25,43% (20.811 votos).
A rejeição ao Partido dos Trabalhadores se revela no histórico do estado nas últimas eleições presidenciais. A última vez que Santa Catarina deu vitória a um presidente de esquerda foi em 2002, na eleição de Lula. Confira os números:
2018:
Bolsonaro: 75,92% (2.966.242 votos)
Haddad: 24,08% (940.724 votos)
2014:
Aécio Neves (PSDB): 64,59% (2.469.079 votos)
Dilma Rousseff (PT): 35,41% (1.353.808 votos)
2010:
José Serra (PSDB): 56,61% (2.030.135 votos)
Dilma Rousseff (PT): 43,39% (1.556.226 votos)
2006:
Geraldo Alckmin (PSDB): 54,53% (1.776.776 votos)
Luiz Inácio Lula da Silva (PT): 45,47% (1.481.344 votos)
2002:
Luiz Inácio Lula da Silva (PT): 64,14% (1.914.684 votos)
José Serra (PSDB): 35,86% (1.070.502 votos)
Comentando o histórico político no estado, o deputado estadual Oscar Gutz (PL-SC), autor do pedido de concessão de título de cidadão catarinense para Bolsonaro, disse que o eleitor de Santa Catarina sempre demonstrou ter uma preferência por candidatos mais liberais, que pregam a diminuição do estado.
“Santa Catarina sempre foi um estado mais conservador. Aqui nunca elegemos um governador de esquerda. Até a eleição do Bolsonaro, o PSDB apresentava políticas públicas mais voltadas para a direita, como privatizações, diminuição do estado e abertura de mercado”, disse.
O empresário Dalçoquio compartilha da opinião. “Não é apenas o estado que mais apoia o Bolsonaro. É o Bolsonaro que mais apoia os empresários do estado e de todo o Brasil. Quanto mais empresas menos desempregados. Quanto menos desempregados, menos precisamos do governo”, explicou.
Mas o que explica essa preferência do eleitorado catarinense? A deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PL-SC) alega que as ideias defendidas por Bolsonaro, desde 2018, não eram novidades para o eleitor catarinense – o que pode ter contribuído para que o ex-capitão do Exército tivesse maior aderência na região.
“Em Santa Catarina, os valores morais e éticos sempre foram os mesmos — trabalhamos muito, geramos nossa riqueza através do mérito, acreditamos em Deus e no valor da família, somos contra a ‘bandidolatria’, as regalias governamentais, o aborto etc”, disse a parlamentar.
Ela acrescentou que o PSDB recebeu apoio nas eleições passadas por falta de opção e que se o ex-presidente tivesse aparecido antes, o partido de Fernando Henrique Cardoso não teria êxito no estado.
“Nossa alternativa era a esquerda “light” dos tucanos, pelo menos até 2014, mesmo que as explicações técnicas sobre o verdadeiro posicionamento ideológico do PSDB não fossem claras para o cidadão em geral na época. Se houvesse um Bolsonaro em 2002, em 1998, 1994, ele teria nosso apoio desde o início, mesmo que o conceito de conservadorismo político não estivesse muito bem definido no imaginário do catarinense”, disse Ana.
Indagado sobre o assunto, o senador Jorge Seif (PL-SC) citou as pautas defendidas por Bolsonaro que interessam ao eleitor catarinense.
“O fenômeno Bolsonaro despertou bandeiras muito alinhadas com Santa Catarina, como o amor à pátria, o amor à bandeira, o resgate do respeito às famílias, o respeito aos professores, às instituições, a pauta antidrogas, a pauta pró-trabalho e a liberdade econômica”, avaliou Seif.
O congressista também afirmou que a forma como Bolsonaro se comunicou com o público e que a postura da esquerda contra os valores tradicionais foram diferenciais para o desempenho do ex-mandatário no estado.
“Bolsonaro usou uma forma simples de se comunicar e combateu o discurso que a esquerda vinha falando há 30 ou 40 anos. A esquerda vinha violando o conservadorismo brasileiro e do catarinense ao atear fogo na bandeira nacional, promover o quebra-quebra, invasão de terra, menosprezar o pequeno empresário. Bolsonaro entendeu a mensagem do que estava adormecido no coração do brasileiro, aquele senso comum de antipolítica estava muito arraigado no povo catarinense”, afirmou o senador.
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam diversos fatores para a posição mais à direita do eleitor catarinense, como a economia e a visão do cidadão sobre o papel do Estado. Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, bem como de outros da região Sul, indica que Santa Catarina tem menor propensão a depender de políticas assistencialistas do governo, cenário que dificulta a inserção da esquerda.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Santa Catarina ocupa o terceiro lugar no IDH do Brasil, pontuando 0,792. O estado fica atrás do Distrito Federal (0,814) e de São Paulo (0,806).
“Esse antipetismo se deve, em grande medida, ao próprio conservadorismo e à própria composição econômica do Paraná, de Santa Catarina e, em menor escala, do Rio Grande do Sul. São estados com IDH alto, com nível de escolaridade maior, que têm um setor de serviços bem desenvolvido e cujas pessoas são menos suscetíveis às políticas assistencialistas”, disse Elton.
O alto índice no IDH é acompanhado pelo bom desempenho do estado no empreendedorismo. Segundo dados do Observatório de Negócios do Sebrae, Santa Catarina aparece em primeiro lugar no ranking de estados mais empreendedores do país, pontuando 13,87%. O valor é acima da média da região Sul, que é de 12,81%, e também da média nacional de 9,80%. A pesquisa leva em conta a relação do número de empresas por habitantes, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 e informações da Receita Federal de 2024.
Para o cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec de Belo Horizonte, o empreendedorismo acaba sendo um ponto de resistência para o discurso da esquerda, que tende a ver o estado como a solução para os problemas na economia.
“Santa Catarina tem sido a vanguarda do antipetismo. Lá é possível ver um empreendedorismo mais forte e as pessoas possuem orgulho disso. Ou seja, se orgulham de ter uma dependência menor das políticas sociais do Estado. A sociedade acaba tendo uma postura mais resistente em relação à esquerda e a essa ideia de que o Estado tem que ser um elo ativo e regulatório da economia”, disse Cerqueira.
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Antipetismo em Santa Catarina consolidou preferência por Bolsonaro – Gazeta do Povo
- by nexus
- 7 de julho de 2024
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