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Previsto para ser votado a partir desta quarta-feira (10) na Câmara dos Deputados, o primeiro projeto que regulamenta a reforma tributária é o atual alvo de pressão de lobbies setoriais, que buscam arranjos para garantir menores cargas de impostos no novo modelo a entrar em vigor.
Na semana passada, ao apresentar um substitutivo à proposta enviada pelo governo, o grupo de trabalho responsável por analisar o texto frustrou alguns setores, em especial por acrescentar veículos elétricos na lista do Imposto Seletivo, e por ter deixado de incluir proteínas animais na cesta básica, que terá alíquota zero do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Agora, entidades representativas dos mais diversos ramos de atividade econômica atuam por mudanças no parecer antes da votação, ou pela aprovação de emendas ou de destaques supressivos em plenário. Caso aprovado pelos deputados, o texto ainda segue para votação no Senado, onde ainda pode sofrer modificações.
As pressões de lobbies repetem movimento ocorrido no ano passado, durante a tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 45, que instituiu a parte constitucional da reforma tributária.
Na lista de exceções da Emenda Constitucional 132 entraram desde alimentos, medicamentos, dispositivos médicos e serviços de educação e saúde até carros para uso, como táxi, e parques temáticos. Até mesmo benefícios fiscais para montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que se encerrariam em 2025, foram prorrogadas para até 2032.
Logo após a divulgação do relatório do grupo de trabalho da Câmara, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) divulgou nota em que diz considerar haver avanços no texto, mas que avalia serem necessários ajustes antes da votação pelo plenário. A entidade classifica como “fundamental” a inclusão de proteínas animais na cesta básica.
“Atualmente, as carnes têm ICMS reduzido ou isento em todos os estados brasileiros, além de não ter incidência de PIS e Cofins. Havendo aumento de tributo, haverá uma elevação dos preços ao consumidor e, consequentemente, uma redução do consumo das proteínas pela população mais socialmente vulnerável”, afirma a Abras.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), em consonância, divulgou comunicado por meio da qual “lamenta a decisão inicial do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados de não incluir as carnes na lista de produtos da cesta básica nacional”.
A nota destaca que cada brasileiro consome, em média, 46 quilos de carne de frango e 18 de carne suína todos os anos. “Diante disso, as representações dos setores – que geram mais de 4 milhões de empregos diretos e indiretos – esperam que parlamentares sensíveis à manutenção da oferta de alimentos apoiem a revisão da medida”.
Outros setores também manifestam insatisfação quanto ao não enquadramento nas listas de alíquotas reduzidas. A Associação Nacional das Indústrias de Vinagre (Anav), por exemplo, também pedia a inclusão do item na cesta básica para ter o imposto zerado.
A Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), por sua vez, lamentou o não acolhimento do enquadramento do serviço de telecom como essencial e no sistema de cashback.
“A grande preocupação é que, com o texto da forma como está, as alíquotas totais para os serviços de telecomunicações fiquem muito altas, uma vez que ainda recaem sobre as prestadoras as contribuições aos fundos setoriais, como Fust [Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações] e Funttel [Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações], que agregam percentual significativo à carga tributária total”, diz a TelComp.
A categoria de representantes comerciais também considerou “injusta” a ausência da profissão na lista de profissionais autônomos que terão direito a redução de 30% nas alíquotas do IBS e da CBS.
“A profissão de representante comercial é uma das mais antigas e vitais para a economia brasileira, sendo responsável por aproximadamente 30% de todos os negócios realizados no Brasil”, diz nota divulgada pelo Conselho Federal dos Representantes Comerciais (Confere) e pelo Conselho Regional dos Representantes Comerciais do Estado do Paraná (Core-PR).
Em relação à incidência do Imposto Seletivo sobre bebidas açucaradas, o presidente da Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras), Fernando Rodrigues de Bairros, avalia a medida como injusta.
“A cada dia que passa, a reforma tributária – que era para ser boa para as indústrias brasileiras – se torna um pesadelo maior: mais taxas, mais seletividade e mais setores sendo prejudicados. É impossível medir o tamanho dos danos que o Imposto Seletivo terá nas indústrias de refrigerantes nacionais,” diz Bairros.
A entidade considera injusto que a indústria de refrigerantes seja punida, uma vez que tem se esforçado para reduzir em seus produtos o teor de açúcar, que caiu de 10,6, em 2018, para 5,7, em 2023, em média a cada 100 ml.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) segue em campanha contra a inclusão de automóveis e comerciais leves no Imposto Seletivo, que agora, pelo substitutivo, abrange não apenas os de motor à combustão, mas também carros elétricos.
Na semana passada, em coletiva de imprensa, Lima Leite criticou a medida, argumentando que o desestímulo à compra de carros novos acabará por atrasar a renovação da frota, mantendo em circulação veículos antigos e mais poluidores.
“Os contribuintes brasileiros já pagam impostos além da conta e não faz sentido pagar mais caro por um ar mais poluído. O Imposto Seletivo foi concebido com o objetivo de reduzir o consumo de produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente. Ao adotar a medida, iremos na contramão, dificultando o acesso a modelos menos poluentes e mais seguros, e retardando de forma temerária a renovação da frota nacional”, disse.
Presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Gilberto Tarantino, também quer mudanças no trecho que trata do Imposto Seletivo da proposta. Ele defende que as pequenas cervejarias tenham isenção do novo tributo, o que é apoiado pelas indústria cervejeira de grande porte.
Para Tarantino, as discussões sobre regulamentação da reforma criaram uma falsa dicotomia entre produtores de cerveja e de bebidas destiladas.
“Estamos lado a lado com as empresas familiares que produzem outras bebidas, como a própria cachaça, vinhos e licores, no sentido de isentar deste novo imposto as pequenas empresas, enquadradas no Simples Nacional. Ou que produzem até 5 milhões de litros por ano, volume que consta no estatuto da Abracerva”, diz o empresário, que também preside a Câmara Setorial da Cerveja no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
No setor de livros, um grupo de entidades pede a manutenção do modelo atual de creditamento sobre operações anteriores da cadeia produtiva dos títulos. “A reforma tributária preservou a imunidade dos livros frente ao IBS e à CBS, mas o PLP 68/24 não garante a manutenção dos créditos para operações anteriores, o que contraria a lógica de desoneração da cadeia produtiva do livro”, diz trecho de nota divulgada na última sexta-feira (5).
O texto é assinado conjuntamente por representantes da Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros), da Associação Brasileira de Sistemas e Plataformas Educacionais (Abraspe), da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).
“Sem a manutenção dos créditos […], o setor calcula um aumento de custos de ao menos 16%. O impacto negativo, se mantido o texto da regulamentação em discussão, também afetará as compras públicas de livros, como é o caso do Programa Nacional do Livro Didático, que atende mais de 30 milhões de alunos”, acrescenta o comunicado.
Locadoras de veículos também querem mudanças. Segundo o consultor Victor Hugo Rocha, também diretor-jurídico do movimento Destrava Brasil, entidades do setor demonstraram preocupação com as medidas propostas para ativos imobilizados durante o período de transição para o novo sistema de tributação.
Pelo relatório apresentado por deputados na semana passada, empresas de aluguel de automóveis, que mantêm altos investimentos em seus ativos, não poderão ter acesso a créditos para amenizar o impacto sobre a atividade antes de a reforma entrar em vigor, a partir de 2027.
Com a queda na aquisição de veículos, avalia Rocha, todo o setor automotivo seria afetado. “A preocupação do setor de locação de veículos é que as devidas correções sejam feitas, especialmente no período de transição, para não afetar a competitividade das empresas”, diz.
Já em relação ao cashback, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) defende um regramento “claro e simples”, para evitar que a dinâmica para garantir o retorno do imposto pago se torne um desafio para as famílias atendidas.
A emenda constitucional da reforma tributária, promulgada no ano passado, prevê a devolução para famílias de baixa renda de tributos pagos na conta de luz, na aquisição de produtos da cesta básica e na compra de gás de cozinha.
Para Wagner Ferreira, diretor institucional e jurídico da Abradee, a legislação deve prever “o reembolso integral, instantâneo e simultaneamente ao pagamento da conta, ou seja, no momento da cobrança da operação quando se tratar de fornecimento de energia elétrica, água, esgoto e gás natural.
“A redução da tributação sobre o fornecimento de energia elétrica influi diretamente no aumento da riqueza circulando em nossa sociedade e nas mãos das famílias, permitindo que elas usem seus recursos para outras atividades essenciais, como alimentação de melhor qualidade, acesso à informação e saúde e formação da cidadania”, afirma.
Além dos lobbies de representantes setoriais, analistas, instituições da sociedade civil e parlamentares também defendem mudanças no substitutivo.
O tributarista Guilherme Di Ferreira, da Lara Martins Advogados, explica que ainda serão necessárias adaptações e ajustes no processo de transição para o novo modelo. “Se não forem abordados adequadamente, esses desafios podem minar os benefícios esperados da reforma, dificultando o crescimento econômico e a competitividade do país”, afirma.
Em nota técnica, o Centro de Liderança Pública (CLP) defendeu a aplicação do Imposto Seletivo sobre apostas, conforme trouxe o relatório. Por outro lado, a instituição se diz contra a sobretaxação com o mesmo tributo sobre carros elétricos.
Já a inclusão da figura do nanoempreendedor na reforma, embora tenha o objetivo de simplificar a formalização de pequenos empreendedores, “pode inadvertidamente contribuir para uma maior complexidade em um sistema já multifacetado e frequentemente ineficaz”.
Segundo a nota, a proposta de adicionar mais uma categoria ao sistema tributário pode ser mais uma política ineficiente de formalização, complicando ainda mais o sistema sem necessariamente oferecer os benefícios de longo prazo necessários para um ambiente empreendedor favorável.
A organização também é contra a inclusão da construção civil no regime imobiliário diferenciado da reforma tributária. “Embora seja verdade que o setor da construção civil é um dos grandes motores da economia, responsável por um vasto número de empregos diretos e indiretos e por significativos investimentos em infraestrutura, a dependência excessiva em subsídios fiscais específicos pode levar a distorções no mercado e na própria estrutura tributária”, afirmou o centro.
A Coalizão das Frentes Parlamentares, que reúne diversas bancadas do Congresso, divulgou um manifesto em que pede urgência e atenção para dez pontos cruciais aos setores produtivos na regulamentação da reforma tributária.
O grupo inclui as frente parlamentares do Empreendedorismo (FPE, de Comércio e Serviços (FCS), da Agropecuária (FPA), pelo Livre Mercado (FPLM), do Biodiesel (FPbio), da Mineração Sustentável (FPMin), da Saúde, em Defesa do Saneamento Básico, de Portos e Aeroportos (FPPA), de Petróleo, Gás e Energia, da Indústria (FPMI), do Etanol, entre outras.
Entre os pontos defendidos pela coalizão está a não incidência do IBS e da CBS sobre serviços para uso pessoal de cônjuges, companheiros ou parentes até terceiro grau, promovendo uma aplicação mais justa. “Caso contrário, todo o setor de comércio e serviços será afetado com a elevação de custos, que provavelmente serão repassados à população”, diz o grupo em nota.
“A regulamentação clara do imposto evita distorções fiscais e promove um sistema mais equânime. No entanto, a atual proposta de reforma tributária é um verdadeiro ataque ao livre mercado. Com sua complexidade e carga excessiva, ela vai esmagar pequenos empresários, sufocar a inovação, matar a competitividade e destruir empregos. É um retrocesso que só beneficia os grandes empresários”, diz Luiz Phillipe Orleans e Bragança (PL-SP), presidente da FPLM.
A adoção do valor da operação efetiva, e não do valor de referência, em operações imobiliárias também é solicitada no manifesto como meio de garantir mais transparência no sistema tributário.
O manifesto propõe ainda a regulamentação do imposto seletivo por Lei Complementar específica, com incidência monofásica para simplificar a arrecadação. Além disso, sugere garantir a validade e o aproveitamento dos créditos tributários para empresas do Simples Nacional e outras, assegurando que os créditos possam ser utilizados nas mesmas situações de fiscalização tributária.
Outra proposta do manifesto é a implementação do sistema de split payment como medida para reduzir custos de investimentos e estimular o crescimento econômico. “A EC 132/2023 foi específica em definir que o regime de compensação do IBS e da CBS poderiam trazer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficaria condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto com duas condições. O substitutivo do PLP 68/2024 vai em direção oposta e, provavelmente, inconstitucional, indicando a obrigatoriedade e não as hipóteses”, afirma a coalizão.
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Lobbies na reforma tributária: pressão por menos impostos – Gazeta do Povo
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- 9 de julho de 2024
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