
Imagino que não haja maior emoção, melhor sentimento de reconhecimento para um indivíduo na humanidade que ser agraciado com o Prêmio Nobel. Os anúncios da premiação em todas as áreas que cobre, todos os anos são notícias mundiais. Recebido o prêmio, o agraciado entra para o panteão de semi-deuses entre os homens. Com tal instituição, o Prêmio Nobel, os homens deram vida aos melhores mitos helênicos. De certo não há nada que um homem ou uma mulher já tenha feito que seja suficientemente negativo para manchar sua biografia, uma vez na lista de premiados. Assim o é, basta perguntar a Jacques Fux.
Ao que tudo indica, isso é ainda mais verdadeiro na categoria “literatura”. Um grande escritor nunca terá sido suficientemente pecador para não merecer se tornar um semi-deus. Aliás, não importa o ser humano, importa o conjunto de títulos que antecedem seu nome em capas e lombadas de livros.
Em “Nobel” (Fux, 2018), Jacques Fux apresenta seu discurso de agradecimento que profere na sua onírica cerimônia de premiação do Nobel de literatura. Repleto de referências a biografias de escritores premiados com a famosa homenagem, o autor nos brinda com um texto fluido, muito atrativo e irônico. Leitura excelente! Não bastasse tudo isso, ficamos por dentro das principais fofocas da premiação.
Lemos sobre o comportamento poligâmico de Kafka, as brincadeirinhas do casal (trio) Elias Canetti e Veza Canetti (e Iris Murdoch), e nos deparamos com reflexões sobre como esses “segredos” contaminaram suas obras. Fux afirma: “(…) é daí que surgem as histórias … É do autoengano, das subversões, do fingimento e da reconstrução do pretérito que rebentam as narrativas” (Fux, 2018, p. 30). Ainda mais, “Será que a ficção é honesta?”, ele nos pergunta. Dos autores para com seus leitores? Parece que realmente não, meu caro. Mas daqueles para com eles próprios, julgo que sim, tomando por base o polpudo prêmio e a decorrente distinção.

Jacques deixa nas entrelinhas que muitos dos grandes escritores têm como grande motivação a glória pela glória, por fama e dinheiro. O Nobel é o ápice disso, não importa quem premia e o caráter do premiado. Nenhum deles está preocupado com as lições de ética de Aristóteles nesse aspecto! Tudo bem, obra e autor não são a mesma coisa, mas como e quando diferencia-los e quando não? É justo (lembro aqui das lições sobre justiça de Alasdair MacIntyre) que um indivíduo de baixíssimo caráter alcance a maior distinção entre os seres humanos? Por outro lado há uma perspectiva cara ao conservadorismo nesse ponto, qual seja: todo ser humano luta contra suas contradições, suas falhas. Sendo assim, não importa o quão boa seja sua obra ou parte dos seus atos, todos temos pontos negativos aos quais devemos estar vigilantes. Questiona Fux: “Um poeta sublime, mas considerado por todos uma pessoa execrável por cometer atos obscenos, tem direito a um prestigioso cargo?” (Fux, 2018, p. 75).
Não é a toa que o autor abre “Nobel” com a seguinte epígrafe:
Aos inventores das artes graciosas que a vida embelezam.
(Trecho da Eneida, de Virgílio, inscrito na medalha do Nobel de literatura)
Referência
FUX, Jacques. Nobel. Rio de Janeiro: José Olympio, 2018.
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